A casa já estava toda decorada de Natal. Todos os anos, nesta época, o vovô Tito reunia a criançada da família para narrar histórias de Natal perto do pinheiro, que era carregado de luzinhas e enfeites cintilantes. Antes que ele começasse, Maria, a mais nova, perguntou: “Vovô, se o papai Noel ficar muito cansado, quem fica no lugar dele?”.
O vô aproveitou a oportunidade para revelar aos netos um dos grandes segredos do Noel, um grande amigo seu. “Sim, ele está muito velho para viajar o mundo inteiro e carregar tantos presentes. Mas a verdade é que ele não faz isso sozinho. Desde que tinha onze anos, sua netinha, a menina Noel, faz as entregas no lugar dele. Poucos sabem disso, pois as crianças ficariam decepcionadas se soubesses que não foi o Noel que as visitou”.
O irmão mais velho de Maria foi o primeiro a retrucar: “Ah, tá bom! E o senhor quer que a gente acredite que uma menininha conseguiria fazer esse trabalho tão complicado e cheio de responsabilidades e de perigos”. O vô soltou uma risada e respondeu: “Você tem razão, é cheio de perigos. Ela foi treinada desde cedo a enfrenta-los. Mas no primeiro ano em que foi ajudante, ela se meteu em uma encrenca que teria deixado o Noel de cabelos brancos – se ele já não os tivesse”. Os olhos das crianças brilharam de curiosidade. E o avô agora sabia qual seria a aventura que ele iria narrar naquela noite.
Ela não usava um trenó, como o avô, e sim um patinete voador produzido na própria fábrica do Noel. Sua família achava que ela ainda não estava pronta para entregar presentes e diziam que deveria esperar até os 15 anos para assumir essa responsabilidade. Mas a menina, muito teimosa, numa noite de Natal, pegou um saco cheio de presentes e saiu voando em direção à África. No meio do caminho, o patinete começou a falhar. O peso da sacola era muito grande para aquele pequeno objeto voador. Então, a menina lembrou que ainda não tinha tido lições sobre como consertar seu patinete. Ela ainda não tinha aprendido nem a aterrisar.
E foi então que, já muito desgastado, o patinete fez uma descida brusca e a menina se espatifou na areia, que parecia sem fim. Ela logo reconheceu aquele lugar: era o deserto. O mesmo cenário da história de que mais gostava: o Pequeno Príncipe.
Desesperada, ela começou a juntar os presentes que estavam espalhados na areia. E agora, como faria para sair daquele lugar? Foi então que ouviu uma voz baixinha: “o que uma menina de gorro vermelho faz aqui nesse deserto?”. Ela pensou que estava tendo uma alucinação. Olhou para o lado e viu uma raposa. Seria a amiga do Pequeno Príncipe? Não é possível! “Você me parece familiar. Por acaso não é personagem de uma história que meu avô me contava sempre, a do Pequeno Príncipe?”, perguntou. “Que bom que me reconheceu, garotinha. Agora também podemos ser amigos. Mas lembre-se sempre de que eu não gosto de encontros casuais. Vamos marcar um encontro amanhã neste mesmo horário?”, sugeriu a raposa.
“Gostaria muito, raposinha, mas estou em apuros. Até amanhã estes presentes precisam estar nas casas das crianças africanas. Será que você pode me ajudar?”, indagou desesperada. A raposa dirigiu-se ao patinete e percebeu que havia algo errado. Durante todos aqueles dias em que Saint Exupery – o amigo do Príncipe – estava no deserto tentado arrumar seu avião, ela estava por perto observando e havia aprendido muito sobre como consertar objetos voadores. “Já sei o que aconteceu. Por causa do peso dos presentes, o óleo do seu patinete acabou muito rápido”. E a menina, preocupada, perguntou onde naquele lugar tão imenso e vazio ela poderia achar óleo.
As duas estavam ali, quebrando a cabeça, quando ouviram um barulho bem baixinho que parecia um chocalho. Era a cobra. A mesma que havia picado o Pequeno Principe e o enviado de volta ao seu planeta. Na mesma hora, a raposa teve uma ideia: “ouvi dizer que veneno de cobra é muito potente e gosmento. Não seria um bom substituto para o óleo de que você precisa?”. A garota, apesar do medo que ficou da cobra, ganhou uma ponta de esperança ao ouvir as palavras da raposa. As duas pediram um pouco do veneno para a serpente, que logo negou. “A troco de quê eu ajudaria uma jovem humana e uma raposa metida?”, logo foi dizendo a cobra.
Então, muito esperta, a raposa teve uma ideia depois de muito refletir olhando para aquelas centenas de pacotinhos espalhados no chão. “Menina, por acaso no meio desses presentes há um chocalho de bebê ou um gizo, algo assim?” É claro que havia. “Que estranho, você costumava fazer um barulho mais interessante quando passeava pelo deserto. O que aconteceu?”, perguntou a raposa à velha peçonhenta. “Bem, ninguém fica jovem para sempre, não é? Meu chocalho não é mais o mesmo”, lamentou.
“Que tal então, trocarmos o seu precioso óleo por um novo e moderno gizo?”, propôs a menina. Vaidosa, a cobra aceitou na mesma hora. E enroscou na ponta de seu pegajoso corpo um gizo vermelho e cintilante. Destilou seu veneno em um pequeno tanque daquele sofisticado patinete. E não que o plano da raposa funcionou? “Vocês salvaram a minha vida e o Natal de muitas crianças. Sem vocês, muitas ficariam decepcionadas quando vissem que foram esquecidas. Ah! Não esqueça de tirar o gizo na hora da caça, amiga cobra”. Muito feliz, a menina juntou os presentes e foi embora distribuí-los um por um.
“Vovô, então ela realmente existe”, disse Maria, que também amava a da história do Pequeno Príncipe. Agora, ela aguardava pelo Natal com ainda mais ansiedade, pois sabia que existia a chance de receber a visita da menina Noel – mesmo que fosse durante seu pesado e gostoso sono.