quarta-feira, 14 de junho de 2017

As três cores do sangue


Na minha infância, não tinha amigos humanos da minha idade. Foi no meu aniversário de seis anos que ganhei aqueles três monstrinhos de pelúcia que passaram a me fazer companhia. Quando os vi pela primeira vez, os achei encantadores e muito fofos e tive a esperança de não mais me sentir tão solitária, pois naquela época eu sofria muito por estar sempre isolada na escola. Como agora eu teria novos amiguinhos, eles logo ganharam nomes: o Roxinho era o Zip, o alaranjado era Boo e o marronzinho era Bill.
Assim que me deu aquele presente inesquecível, meu tio, que trabalhava em uma loja de brinquedos, contou a verdade sobre a origem dos monstrinhos: eles haviam sido feitos em 1973 e, desde então, nunca haviam sido vendidos. A fábrica havia fechado e esses eram os únicos brinquedos que tinham sobrado.

Segundo o meu tio, as crianças sempre o achavam assustadores demais, embora não parecessem. Elas diziam que eles pareciam de verdade e que alguma coisa naqueles bonecos parecia estar errada. Mas meu tio nunca caiu nessa conversa e achava que as crianças estavam sendo medrosas e exageradas. Como ele sabia que eu era corajosa e adorava monstros estranhos, tinha encontrado um presente ideal para mim.

No dia do meu aniversario, meu tio estava um tanto abalado. Seu colega de trabalho, que havia ficado na loja durante a noite para fazer o balanço das vendas, tinha desaparecido misteriosamente. No dia seguinte, ficamos sabendo que a policia encontrou seu corpo em um depósito, junto às vassouras e panos, em uma casa abandonada a poucos metros da loja de brinquedos. Coitado do meu tio! Foram necessários meses para ele se recuperar do choque de saber que seu amigo estava sem olhos, todo arranhado e com um pedaço da cabeça faltando.

Quando anoiteceu, depois da minha simples festinha de aniversário, eu coloquei meus companheiros para dormir no sofá da sala. No meio da noite, meu sono foi interrompido por barulhos estranhos. Ora pareciam roncos de filhotes de cachorro, ora rosnados de ursos assustadores. Como eu era corajosa, levantei da cama e fui investigar. Tudo estava escuro e, com a lanterna, pude observar estranhos arranhões na parede da sala. Joguei a luz da lanterna para o sofá e fiquei apavorada quando percebi que meus monstrinhos haviam sumido.

Fui procurá-los no meu quarto, mas não estavam lá. Entrei de mansinho no quarto dos meus pais, e nada deles. Então fui até a cozinha. Para a minha grande surpresa, havia um monstro roxo devorando minha geladeira. Não estou me referindo às comidas guardadas lá dentro. Ele comia a própria geladeira. Logo percebi que se tratava do Zip. E que à noite se transformava em um enorme bicho devorador, com dentes afiados.

Foi no escritório do meu pai que vi o Boo arranhando a poltrona com suas garras afiadas. O terceiro monstro estava no banheiro, tomando a água da privada, que ele havia arrancado do piso. Seus chifres eram tão grandes que pareceriam que iriam arrancar-lhes os olhos. Foi então que desvendei o mistério da terrível morte do amigo do meu tio.
Não tive outra opção: precisei arranjar uma forma de por fogo naquelas criaturas tão perigosas. Corri até a cozinha, peguei álcool e fósforo. Fui espalhando álcool pelo chão da casa e, quando eu estava perto da porta, risquei o fósforo. Os monstros não tiveram tempo de escapar. Eu saí correndo e me escondi atrás de uma árvore, de onde pude observar minha amada casa sendo inteira destruída pelo fogo. Ainda bem que meus pais haviam saído naquela noite.

Depois que os uivos ensurdecedores terminaram, fui até lá, andando devagar e com muito receio de ser surpreendida por um monstro que tivesse sobrevivido ao desastre. Quando entrei no que sobrou da minha casa, algo inesperado tinha acontecido: as paredes estavam todas pintadas de laranja, o chão inteiro coberto de uma gosma marrom e os moves e teto, inteiro borrados de uma espécie de tinta roxa. Como se o calor do fogo tivesse explodido as criaturas coloridas.

Aliviada, fui até meu quarto para ver o estrago que o fogo havia feito. Muitas das minhas coisas tinham virado cinzas, mas nem tudo. Resolvi sair daquele lugar deprimente e respirar o ar puro la de fora. Mas alguma coisa me dizia que eu não estava sozinha naquela casa. Quando passei pela sala e olhei para o sofá, quase intacto, não acreditei naquilo o que vi: os três monstrinhos de pelúcia, com carinhas fofas e aparentemente inofensivas, estavam ali sentados. Mas uma coisa tinha mudado: eles pareciam uma foto em preto e branco desbotada. Não tinha mais as suas cores.

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