sexta-feira, 23 de junho de 2017

A daminha fantasma

Na principal igreja da cidade, dezenas de pessoas estavam comemorando o casamento do primogênito de uma importante e rica família de comerciantes. Ainda na frente da igreja, uma garotinha segurava um par de alianças, aguardando sua vez de entrar. Barbara estava ansiosa, mas também um pouco triste, pois ficaria longe do seu irmão mais velho, de que tanto gostava.

Agora ele iria viajar com a noiva e, na volta, mudaria-se para sua própria casa, deixando vazio o quarto onde muitas brincadeiras e diversões marcaram a infância de Barbara. Ao pensar em tudo isso, foi ficando meio tonta, depois a tossir e a tosse virou sangue escarrado, até que caiu morta no chão em um cantinho da lateral da igreja.

Quando o padre começou a falar, as luzes começaram a piscar até se apagarem. Em meio àquela escuridão e ao barulho intenso de vozes, ninguém percebeu o sumiço de Barbara. Depois de alguns minutos, enquanto todos aguardavam a volta da energia e a retomada da comemoração, a garota entrou silenciosamente na igreja e foi andando em direção ao altar, onde estavam os noivos. Ela tinha um risco de sangue escorrendo pela boca e sua pele estava mais branca do que nunca. Sempre olhando para baixo, ela segurava as alianças com cuidado. Ao chegar junto do irmão, ergueu lentamente, pela primeira vez, a cabeça. O grito do noivo ecoou por toda a região.

Ninguém entendeu muito o motivo daquele desespero. Até que Barbara se virou de frente para o público. Seu rosto estava iluminado apenas por uma vela que enfeitava o altar. As pessoas ficam apavoradas. Logo perceberam que não era mais uma menina normal. Ou melhor: não era mais uma menina viva.


Os noivos, o padre e todos os convidados saíram correndo, mas na hora em que as pessoas iriam passar… Bum! As portas da igreja fecharam com a força de um tufão. Na escuridão, todos sussurravam, amedrontados. A daminha estava por ali, mas ninguém mais a via. Aos poucos, um silêncio tenebroso foi tomando conta daquele lugar. Ninguém mais falava nada. E assim, acabou-se o tão esperado casamento.

No dia seguinte, bem cedinho, a senhora que limpava a igreja se dirigiu ao local, imaginando ser aquele mais um dia normal de trabalho. Quando abriu as portas da igreja, um grito acordou aquela cidade. Dezenas de corpos estavam espalhados pelo chão. No altar, estavam os noivos. Ambos enforcados, pendurados em frente a um recado na parede: “você não pode me abandonar”.

Desde então, nunca ninguém teve coragem de entrar naquela igreja. Virou um local abandonado e cinzento que, segundo dizem, abriga muitas almas perdidas.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

As três cores do sangue


Na minha infância, não tinha amigos humanos da minha idade. Foi no meu aniversário de seis anos que ganhei aqueles três monstrinhos de pelúcia que passaram a me fazer companhia. Quando os vi pela primeira vez, os achei encantadores e muito fofos e tive a esperança de não mais me sentir tão solitária, pois naquela época eu sofria muito por estar sempre isolada na escola. Como agora eu teria novos amiguinhos, eles logo ganharam nomes: o Roxinho era o Zip, o alaranjado era Boo e o marronzinho era Bill.
Assim que me deu aquele presente inesquecível, meu tio, que trabalhava em uma loja de brinquedos, contou a verdade sobre a origem dos monstrinhos: eles haviam sido feitos em 1973 e, desde então, nunca haviam sido vendidos. A fábrica havia fechado e esses eram os únicos brinquedos que tinham sobrado.

Segundo o meu tio, as crianças sempre o achavam assustadores demais, embora não parecessem. Elas diziam que eles pareciam de verdade e que alguma coisa naqueles bonecos parecia estar errada. Mas meu tio nunca caiu nessa conversa e achava que as crianças estavam sendo medrosas e exageradas. Como ele sabia que eu era corajosa e adorava monstros estranhos, tinha encontrado um presente ideal para mim.

No dia do meu aniversario, meu tio estava um tanto abalado. Seu colega de trabalho, que havia ficado na loja durante a noite para fazer o balanço das vendas, tinha desaparecido misteriosamente. No dia seguinte, ficamos sabendo que a policia encontrou seu corpo em um depósito, junto às vassouras e panos, em uma casa abandonada a poucos metros da loja de brinquedos. Coitado do meu tio! Foram necessários meses para ele se recuperar do choque de saber que seu amigo estava sem olhos, todo arranhado e com um pedaço da cabeça faltando.

Quando anoiteceu, depois da minha simples festinha de aniversário, eu coloquei meus companheiros para dormir no sofá da sala. No meio da noite, meu sono foi interrompido por barulhos estranhos. Ora pareciam roncos de filhotes de cachorro, ora rosnados de ursos assustadores. Como eu era corajosa, levantei da cama e fui investigar. Tudo estava escuro e, com a lanterna, pude observar estranhos arranhões na parede da sala. Joguei a luz da lanterna para o sofá e fiquei apavorada quando percebi que meus monstrinhos haviam sumido.

Fui procurá-los no meu quarto, mas não estavam lá. Entrei de mansinho no quarto dos meus pais, e nada deles. Então fui até a cozinha. Para a minha grande surpresa, havia um monstro roxo devorando minha geladeira. Não estou me referindo às comidas guardadas lá dentro. Ele comia a própria geladeira. Logo percebi que se tratava do Zip. E que à noite se transformava em um enorme bicho devorador, com dentes afiados.

Foi no escritório do meu pai que vi o Boo arranhando a poltrona com suas garras afiadas. O terceiro monstro estava no banheiro, tomando a água da privada, que ele havia arrancado do piso. Seus chifres eram tão grandes que pareceriam que iriam arrancar-lhes os olhos. Foi então que desvendei o mistério da terrível morte do amigo do meu tio.
Não tive outra opção: precisei arranjar uma forma de por fogo naquelas criaturas tão perigosas. Corri até a cozinha, peguei álcool e fósforo. Fui espalhando álcool pelo chão da casa e, quando eu estava perto da porta, risquei o fósforo. Os monstros não tiveram tempo de escapar. Eu saí correndo e me escondi atrás de uma árvore, de onde pude observar minha amada casa sendo inteira destruída pelo fogo. Ainda bem que meus pais haviam saído naquela noite.

Depois que os uivos ensurdecedores terminaram, fui até lá, andando devagar e com muito receio de ser surpreendida por um monstro que tivesse sobrevivido ao desastre. Quando entrei no que sobrou da minha casa, algo inesperado tinha acontecido: as paredes estavam todas pintadas de laranja, o chão inteiro coberto de uma gosma marrom e os moves e teto, inteiro borrados de uma espécie de tinta roxa. Como se o calor do fogo tivesse explodido as criaturas coloridas.

Aliviada, fui até meu quarto para ver o estrago que o fogo havia feito. Muitas das minhas coisas tinham virado cinzas, mas nem tudo. Resolvi sair daquele lugar deprimente e respirar o ar puro la de fora. Mas alguma coisa me dizia que eu não estava sozinha naquela casa. Quando passei pela sala e olhei para o sofá, quase intacto, não acreditei naquilo o que vi: os três monstrinhos de pelúcia, com carinhas fofas e aparentemente inofensivas, estavam ali sentados. Mas uma coisa tinha mudado: eles pareciam uma foto em preto e branco desbotada. Não tinha mais as suas cores.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

O sofrimento de Celina


Celina morava sozinha em uma casinha velha, escura e com cheiro de mofo. Seus pais haviam morrido quando ela ainda era bebê. Quem a criou foi uma tia velha e muito mandona. Passava o dia dando ordens à Celina.

– Limpe essa chaminé! Passe um pano no sofá.

Porém, os móveis de casa eram tão velhos, que por mais que Celina limpasse, tudo continuava com cheiro que parecia cheiro de morte. Como a tia precisava dos trabalhos da menina, nunca a deixou frequentar a escola. Como uma criança normal. Por conta disso, ela nunca teve nenhum colega. Pior que isso: nem amigos da rua ela conseguia fazer, pois a casinha de sua tia era afastada de qualquer outro sinal de vida.

Quando a velha tia deu de cara com a caveira assustadora da morte, a menina ficou livre do trabalho escravo e pôde finalmente ir à escola pela primeira vez. No primeiro dia aula, Celina estava ansiosa para encontrar crianças de sua idade e fazer alguma amizade. Mas o que ela não esperava era que ninguém quisesse se aproximar dela. Todos a olhavam com uma cara estranha, como se estivessem vendo um ser de outro mundo. E cochichavam: "Credo! Olha as roupas dela! Parece panos de chão". "E esse cabelo mal lavado? Parece mais uma vassoura!". "Olha a pele dela! Parece suja de lama". Eram crianças preconceituosas.

Celina percebeu que seria muito difícil encontrar algum amigo naquele lugar. "Essas crianças frequentam a escola há tanto tempo e ainda não aprenderam a ser gentis? ", pensou Celina. Bem que ela tentou puxar conversa com alguns colegas, mas nenhuma tentativa deu certo. Seu coração estava partido. Agora ela se sentia mais solitária que nunca. Agora ela não tinha mais nem a esperança de um dia encontrar alguém que gostasse dela.

Percebia as crianças rindo o tempo todo. E sabia que riam dela. Então Celina começou a ter pensamentos sangrentos. Imaginava como cada uma daquelas crianças ficaria com seus olhos explodindo e vomitando sangue.

Ela começou a ficar com medo que esses pensamentos se transformassem em assassinatos, pois não queria machucar ninguém. Então pegou uma arma que encontrou no quarto da tia e atirou na própria cabeça. Pedaços de cérebro foram espalhados pela parede da velha casa.

Celina então escutou uma voz doce dizendo: "Filha, que sono agitado! Está tendo algum pesadelo?". Celina acordou aliviada e contou à mãe o sonho horrível que tinha tido. A mãe a acalmou e as duas partiram animadas para começar mais um dia alegre e cheio de descobertas.

Uma noite entre as estrelas

  Numa noite e estrelada na floresta, uma jovem mulher observava as estrelas com um telescópio, mas mal sabia que uma criatura de olhos verm...