quarta-feira, 9 de agosto de 2017

O retrato das almas perdidas

Esta é a história de um pintor de retratos. Ele era gentil e muito dedicado ao seu trabalho e à sua mulher amada. Todos desejavam ter um quadro dele em suas casas. Isso porque suas obras eram magníficas, deixavam as pessoas retratadas sempre belas, sem que perdessem sua essência. Sua vida, como pintor reconhecido e famoso, era invejável. Morava em um bairro muito nobre de uma cidade do interior, onde passavam as carruagens que iam em direção ao palácio, que ficava atras dos muros de uma cidade vizinha.

Em uma noite fria e escura, sua esposa começou a passar mal. O pintor tentou buscar o médico, mas a neve caia com tanta força, que o impedia de chegar a qualquer lugar. E piorava a cada minuto. Sempre tremendo, delirando, sem conseguir dormir, disse suas últimas palavras: “pinte um novo retrato meu, para você se lembrar sempre desta que te amou mais que a própria vida”. E assim, a doce mulher se despediu do seu amado.

As lágrimas do artista dissolviam as tintas que ele usou para fazer o que seria o mais realista dos seus quadros. Para suavizar suas saudade, ele fez um retrato tão real, que parecia que sua esposa ainda estava ao seu lado, na sala de casa. Quando ele finalmente terminou a obra, depois de muitas semanas de trabalho, sem sair de casa, o pintor foi tomado por um tristeza tão escura, que num ato impulsivo destruiu seu ateliê: chutou as tintas, quebrou cadeiras, arrebentou as telas.

Os vizinhos, ao escutar os gritos e estardalhaços, imaginaram que ele havia ficado louco. Logo chamaram a polícia para interferir e verificar o que estava acontecendo. Quando o agente da polícia chegou na casa do pintor, não acreditou no que estava vendo: o artista estava enforcado em meio às telas rasgadas e os moveis destruídos. Ao seu lado, o retrato de sua esposa deu calafrios no policial. A pintura era tão realista, que ele teve a impressão de que viu mexer os olhos. “Deve ser a minha mente assustada pregando peças”, pensou o homem.

Mesmo com o passar dos anos, o retrato se manteve intacto, pendurado na parede da antiga casa, onde ninguém mais havia entrado desde a morte do casal. Até que um dia, quatro jovens delinquentes que estavam passando por ali resolveram entrar na casa abandonada para fugir da polícia, que procurava os autores de pichações que estavam estragando a beleza daquela cidade – agora moderna e muito maior que na época do famoso pintor.

Enquanto estavam grafitando as paredes internas da velha casa, se depararam com um quadro que consideraram muito assustador. “Não sei explicar por quê, mas essa pintura me dá medo. Vamos sair daqui?”, sugeriu o garoto mais novo. Mas o líder respondeu, num tom debochado: "Se sairmos, a polícia pode nos pegar. Como pode ter medo de um quadro velho e feio?".

Nesse momento, a sombra de uma mão feminina saiu do retrato e agarrou o menino que havia acabado de zombar da arte do pintor. Antes de perceber o que exatamente havia acontecido com seu líder, os outros três garotos saíram correndo tão depressa que nem mesmo a polícia conseguiria alcançá-los.

E a partir daquele dia, ninguém mais teve notícias do menino desaparecido. E na velha casa abandonada, pendurado na parede imunda da sala, um quadro retratava duas pessoas: um menino assustado e uma bela moça com um sorriso enigmático.

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